Por José Eli da Veiga
Esse é um dos compromissos de maior alcance histórico da agenda "Transformando Nosso Mundo", assinada há quatro dias pelos 193 membros das Nações Unidas, já disponível em português: http://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/.
Gigantesco desafio aos sistemas educacionais, pois raro é o professor à vontade para explicar o desenvolvimento. E raríssimo o já capacitado para esclarecer por que tal noção passou a ser adjetivada de sustentável.
Há proliferação de usos ingênuos, distorcidos e até suspeitos do lema desenvolvimento sustentável.
Pior: proliferaram usos ingênuos, distorcidos e até suspeitos do lema desenvolvimento sustentável, desde sua emergência na virada para a década de 1990. Por isso, é frequente que alguém se veja em maus lençóis ao procurar fazer o inverso: empregá-la com conhecimento de causa e rigor.
Ao mesmo tempo, não há respostas prontas, claras e precisas para todas as dúvidas que o problema tende a suscitar. O máximo que se pode propor é uma abordagem que vacine os alunos contra as muitas escamoteações, distorções e ingenuidades que estão em voga, capaz de simultaneamente lhes apontar um terreno firme para avançar na busca. Começar com um sobrevoo das origens históricas da expressão até controvérsias atuais sobre seu significado já será suficiente para explicitar que se trata de um dos mais generosos ideais da humanidade.
Oficialmente, desenvolvimento sustentável é a ambição de que os humanos venham a atender às suas atuais necessidades sem comprometer a possibilidade de que futuras gerações também tenham chance de fazê-lo. Essa é a definição mais legítima, mais conhecida e mais aceita, além de ter sua origem devidamente certificada. Não foi outra a narrativa assumida pela ONU em 11 de dezembro de 1987 para que se tornasse o princípio orientador central de governos e instituições privadas, organizações e empresas.
Contudo, nos quase trinta anos posteriores a esse marco histórico, pulularam outras formulações. Algumas talvez até sejam mais precisas, mas nenhuma pode ser correta se deixar de contemplar o âmago: a novíssima ideia de que as futuras gerações merecem tanta atenção quanto as atuais. Assim como não existe feijoada sem feijão, o desenvolvimento sustentável não pode dispensar toda a ênfase para o que, em jargão culto, é a "equidade intergeracional".
Ao analisar tão nobre ambição, também é bom começar por separar as duas noções que ela sintetiza: o desenvolvimento e a sustentabilidade. Mostrar que desenvolvimento já era a mais política das questões socioeconômicas bem antes de a ciência passar a ser mais enfática e persuasiva e principalmente mais ouvida sobre as incertezas que se multiplicam no âmbito das relações da humanidade com a biosfera da Terra. Foi assim que se tornou incontornável a necessidade de que o progresso inerente ao desenvolvimento seja condicionado a uma boa dose de prudência, exatamente o que exprimia, desde suas remotas origens, o adjetivo sustentável.
Há, contudo, um sério problema na definição oficial: ela enfatiza demais o vocábulo "necessidades", sugerindo que desenvolvimento poderia significar apenas atendimento das necessidades humanas.
Ora, não resta dúvida de que nas mais graves situações como a dos 48 países classificados pela ONU como os "menos desenvolvidos" (ou de outros que não entram nessa lista por estarem no máximo remediados) é até aceitável que a ideia de desenvolvimento seja reduzida ao propósito de atender as necessidades de suas populações. Mas também é óbvio que, ao se libertarem de tamanho subdesenvolvimento, essas mesmas populações com certeza buscarão cada vez mais direitos e oportunidades que irão muito além do que se entende por necessidades.
Explorar o espaço sideral ou a exosfera, conservar ecossistemas e bens que são parte do patrimônio cultural das sociedades, proteger espécies ameaçadas de extinção, ou incentivar poesia e música erudita, são atitudes que não costumam ser identificadas a necessidades. Mas são alguns dos componentes fundamentais do desenvolvimento dos últimos milênios, processo de incessantes descobertas, novas oportunidades e conquistas de direitos.
Processo de persistente e tenaz expansão das liberdades humanas, por mais interrompido que seja por atrozes retrocessos à barbárie, como fascismo ou nazismo, Daesh ou Boko Haram, para só citar exemplos bem próximos. Mais: os docentes também serão chamados a dar grande destaque à imprescindível descarbonização das economias exigida pelo combate ao aquecimento global, pois é principalmente dela que dependerá, neste século, a sustentabilidade do desenvolvimento.
Desnecessário ir mais longe, então, para que se note que é areia demais para o caminhãozinho de qualquer equipe pedagógica. Ainda mais para algum abnegado esforço autônomo de professores mais conscientes do desafio. Ambos terão necessidade de constante apoio, propósito essencial da plataforma online www.sustentaculos.pro.br com lançamento previsto para o mês de outubro.
José Eli da Veiga é professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP) e autor de "A Desgovernança Mundial da Sustentabilidade" (Editora 34, 2013).
Página web: www.zeeli.pro.br
Disponível em: http://www.zeeli.pro.br/category/valor-economico
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